Saulo Antônio Zasso, 68 anos desde pequeno, acompanhado do pai e do avô, aprendeu o ofício de fazer botas e chinelos de forma artesanal
O sapateiro é o profissional responsável por confeccionar, consertar e restaurar calçados, preservando uma arte manual que atravessa gerações. Em tempos de produção em massa, o ofício resiste como símbolo de paciência, precisão e tradição. O Jornal Cidades do Vale foi conhecer a história de Saulo Antônio Zasso, 68 anos, natural de Nova Palma e morador de Faxinal do Soturno desde 1988. Desde pequeno, acompanhado do pai e do avô, aprendeu o ofício de fazer botas e chinelos de forma artesanal.
Zasso explica que o processo de produção exige atenção e cuidado em cada detalhe, diferindo totalmente da rotina industrial. “É tudo muito personalizado. Os cortes do couro são feitos na faca, é muito mais artesanal, e por isso o produto acaba sendo diferenciado”, contou.
Segundo ele, as botas e chinelos saem prontos de seu pequeno ateliê. “Faço tudo aqui. O couro vem de Erechim e, conforme os moldes, faço os cortes e inicio a produção. Trabalho ainda com máquinas antigas, o que dá um toque especial ao resultado. Hoje tudo é muito moderno”, explica.
Recentemente, Zasso se sentiu desafiado após saber da exposição no Museu Histórico Municipal de Nova Palma, que apresentou as botas de Francisco Guerreiro, o Gigante. A mostra ocorreu após uma negociação com o Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Como as botas originais retornariam à capital, ele decidiu confeccionar uma réplica.
“Fiquei enlouquecido. Ia lá ver, fazia as medidas pelo vidro. Foi desafiador. Em casa, ficava só pensando nas botas. Levei três semanas para terminá-las. Ficaram bem parecidas, até. Queria que o meu pai tivesse vivo para ver isso”, emociona-se.
Além das botas e chinelos, Zasso também demonstra grande apreço por outras peças artesanais. Cada objeto carrega uma história: como foi adquirido, o que o inspirou e qual foi o processo de criação. Pela casa estão espalhados os objetos produzidos por ele. “Estou sempre atento, tenho um olhar diferente. Penso que tudo pode se transformar. Às vezes, um pedaço de madeira que passa despercebido para os outros vira algo especial. Meu problema é que me apego demais às peças, aí fico com pena de vender”, diz, entre risos.
Por fim, Zasso destaca o gosto pela profissão e pelas peças que produz. “O segredo é gostar do que faz, a minha vida inteira foi em função disso, cresci vendo meu pai, meu avô fazendo isso. Estou sempre pensando em algo que dá para fazer, tem gente que acha estranho, mas eu sou feliz fazendo isso”, finaliza.
Rômulo Bianchi, de 86 anos, com a memória em dia, recebeu a reportagem do Jornal Cidades do Vale para relembrar o passado e refletir sobre os desafios do presente
O moinho é mais do que uma simples máquina de moer grãos. Em suas engrenagens estão guardadas memórias de trabalho, sustento e dedicação. Essa definição cabe perfeitamente à história do Moinho Bianchi, em Silveira Martins, liderado por Rômulo Bianchi, de 86 anos, que com a memória em dia, recebeu a reportagem do Jornal Cidades do Vale para relembrar o passado e refletir sobre os desafios do presente.
A trajetória começou em 1966, quando, com apoio financeiro do pai, Rômulo deu início ao empreendimento. Ele recorda que uma família da região já realizava esse trabalho, mas após uma enchente que destruiu a roda do antigo moinho, a atividade foi interrompida. “Perguntamos se eles tinham interesse em retomar, disseram que não. Então, entendendo a necessidade da época e com a ajuda do meu pai, começamos o trabalho. Nos primeiros anos moíamos trigo e depois passamos para o milho, que é feito até hoje”, contou.
Com o passar do tempo, o trigo deixou de ser viável. “Era mais caro comprar trigo do que a farinha pronta, então não havia lucro. Em 1972, passamos a trabalhar só com milho. Tivemos que adaptar as máquinas, e desde então seguimos com esse produto. Temos a nossa marca, a Bianchi, e também prestamos serviço para outras marcas”, explicou.
Olhando para trás, Rômulo compara o cenário de ontem e de hoje. “Antigamente se ganhava mais dinheiro. Tudo o que conquistei saiu daqui, foi um período muito bom. Agora está difícil, seguimos quase por teimosia (risos). São muitas exigências, adequações, vigilância sanitária, bombeiros, tudo custa dinheiro. Minha vida foi aqui dentro, mas no futuro é algo que teremos que repensar.”
A tradição já passou para as mãos do filho Ricardo, que assumiu em 1990. “Eu só ajudo, mas ele está à frente. Foram 59 anos aqui dentro, muito pó na roupa, as mãos calejadas de abrir saquinhos. Antes tudo era manual, hoje já está mais automatizado. O Júnior, meu outro filho, seguiu outro ramo em Santa Maria”, relatou.
Além do moinho, a família também atua na agricultura, especialmente na produção de soja, atividade iniciada em 1994, em uma área de 300 hectares. “É sempre uma luta, um ano melhor, outro nem tanto, mas seguimos com muito esforço, como todo mundo”, resumiu Rômulo.
O moinho Bianchi, é um dos únicos que permanece ativo na região.
Aos 72 anos, Marite Fátima Giuliani da Costa se despede de uma trajetória marcada pela dedicação à dança tradicionalista e à formação de novas gerações. Seu envolvimento começou ainda jovem, na primeira Invernada de Danças do CTG Coração do Rio Grande, após convite do patrono Eusébio Roque Busanello e da professora Aracy Cervo, referência em danças tradicionais de Cruz Alta. “Dancei por muitos anos, tendo sempre bons professores, e desde o primeiro instante senti que viveria para sempre esta emoção”, lembra Marite.
Ao longo de sua trajetória, ela assumiu diversos cargos no CTG: posteira da Invernada Artística, coordenadora cultural, instrutora de danças e, por duas gestões, Patroa da entidade. “Só assumi o cargo de Patroa quando me senti preparada. Vinha observando e participando de tudo o que acontecia dentro das nossas tradições. Cada patrão que me antecedeu foi um aprendizado. O maior desafio foi coordenar tudo e, ao mesmo tempo, manter viva a essência do tradicionalismo em cada decisão.”
Além de cargos administrativos, Marite dedicou-se intensamente à formação de grupos e à transmissão de conhecimento às novas gerações. “Sempre fui uma estudiosa do tradicionalismo e das danças. Como coordenadora das Invernadas do CTG, acompanhei todos os ensinamentos dos professores e coreógrafos que por aqui passaram. Temos que estar constantemente atentos às mudanças, mas sem perder a essência do que somos.”
Ela também refletiu sobre a evolução do movimento tradicionalista. “O tradicionalismo gaúcho está em constantes mudanças. Ele busca sobreviver e florescer, adaptando práticas aos costumes atuais, mas a essência permanece: preservar e valorizar os costumes que formam a identidade do povo do Rio Grande do Sul. Quanto às danças, há sempre um processo de atualização e aprimoramento, com o Movimento Tradicionalista Gaúcho atuando como órgão normativo, equilibrando tradição e inovação, inspirando novas gerações.”
Entre suas conquistas mais marcantes, Marite destaca a Escolinha da Tradição, que leva seu nome e atualmente atende 75 alunos. “Hoje continuo trabalhando com crianças desde os 4 anos, e cada apresentação dessas invernadas é uma grande conquista. O objetivo maior do meu trabalho é ensinar respeito ao próximo e amor à cultura gaúcha. É muito gratificante ver que consegui passar esse amor que sinto pela tradição.”
A decisão de encerrar a trajetória neste ano foi tomada com reflexão. “Quando me aposentei da escola, em 2018, depois de atuar por 26 anos como diretora na Escola Adelina Zanchi, senti muita tristeza por não ter mais aquelas crianças com quem convivia todos os dias. Mas muitas delas eu passei a reencontrar nos ensaios de dança, o que era muito importante para mim. Mas este ano, sinto que a energia não é mais a mesma. É hora de passar este cargo para pessoas mais jovens. Posso até ter sido egoísta em permanecer por tantos anos sem dar oportunidade a outros de dar continuidade.”
Ao olhar para trás, ela expressa gratidão e emoção. “Sou grata a Deus, aos pais e aos alunos que conviveram comigo todos esses anos. É emocionante ver ex-alunos trazendo seus filhos para os ensaios. Sentimos o carinho e a amizade que ficaram em nossos corações. O sentimento é de dever cumprido, mas também sei que vou sofrer ao encerrar este ciclo.”
Para Marite, a dança tradicionalista é essencial. “A dança me dá vida. Ela retrata os usos e costumes do povo gaúcho, enaltece o respeito à mulher, à história e à família, e é transmitida de geração em geração. Fortalece os laços familiares, quando vejo os avós dançando com os netos. Sempre vou me lembrar daqueles que me levaram a conhecer este caminho da dança.”
Ao resumir sua trajetória, Marite destaca o legado humano e cultural. “Acredito que, em toda minha trajetória, proporcionei um ambiente acolhedor e inclusivo. Trabalhar com as diferenças sempre foi um desafio gratificante, que me fez crescer e ser uma pessoa melhor.”
Ela deixa uma mensagem final para a comunidade. “Que o orgulho de ser gaúcho nos guie sempre no caminho da tradição e da amizade. Nas invernadas mirim, não se trata apenas de reviver o passado, mas, como acentua Barboza Lessa, de resgatar do passado a esperança perdida.”
Aproveitando o Mês Farroupilha, o Jornal Cidades do Vale foi conhecer mais sobre a sua trajetória
Nascido em Pelotas, João Luiz Nolte Martins, o Joca Martins, é considerado um dos maiores nomes da música gaúcha. Atualmente, vive em Faxinal do Soturno com a esposa, a cantora e empresária Juliana Spanevello, e as filhas Maria Laura, de 12 anos, e Maria Cecília, de 6. Aproveitando o Mês Farroupilha, o Jornal Cidades do Vale foi conhecer mais sobre a sua trajetória.
O contato com a música começou cedo, inspirado pelo avô, que tocava gaita. “Eu brinco que ficava em roda, mais atrapalhava ele do que cantava, mas desde pequeno tive esse contato. Pelo meu gosto e interesse, e também por vê-lo, certamente foi um conjunto que me inspirou a me dedicar à música”, lembra.
Assim como muitos artistas, Joca iniciou pelos festivais, que eram a principal porta de entrada para o mercado. “Com 18 anos participei do meu primeiro festival, em Pelotas, no Festival Charqueada. Cantei pela primeira vez no auditório do Colégio Gonzaga. A partir daí fui participando de outros, em várias regiões. Os festivais contavam muito com o apoio da mídia, principalmente do rádio, que era o principal meio de divulgação”, relata.
O passo decisivo veio em 1995, com a gravação do primeiro CD. Para Joca, esse foi o marco inicial da carreira profissional. “Com o primeiro trabalho entendi a seriedade do que estava fazendo, que isso seria a minha carreira. Gravar na época era muito diferente de hoje: precisávamos convencer a gravadora, havia todo um processo de produção, e até ter o CD em mãos demorava. Depois vinha a etapa da divulgação, levar nas rádios, que tocavam as músicas e nos abriam espaço para shows e apresentações.”
Comparando os tempos, Joca ressalta que a tecnologia mudou o acesso à música. “Hoje se faz uma música, coloca nas plataformas digitais e qualquer pessoa do mundo tem acesso. Antigamente não. Dependíamos do CD físico, o que limitava o reconhecimento. Por isso, os primeiros shows eram em cidades próximas a Pelotas. O alcance das rádios era fundamental para que o artista fosse conhecido.”
Mais de 20 anos depois, o cantor avalia a caminhada com gratidão. “Mudou muita coisa desde o começo. Hoje sou conhecido, aprendi a ser mais objetivo nos trabalhos, mais assertivo. A gente aprende com as experiências. Mas tudo que aconteceu nesse tempo foi importante para que eu seja o Joca de hoje.”
A longevidade na carreira, segundo ele, é resultado de um trabalho consistente e conectado com diferentes públicos. “Busquei me consolidar em várias faixas etárias. Os temas dos meus trabalhos permitiram isso. Canto o ‘Cavalo Crioulo’, por exemplo, que ultrapassa gerações, e também gravei sucessos da música gaúcha em versões atualizadas. Isso me mantém presente para pessoas de todas as idades. Muitos me dizem que começaram a ouvir meu trabalho quando eram crianças e até hoje seguem acompanhando.”
A mudança para Faxinal do Soturno aconteceu após o relacionamento com Juliana. “No início ainda ficamos nessa ponte aérea Pelotas/Faxinal. Mas depois, por uma questão afetiva, e também pela logística, vim morar aqui. Estar no centro do Estado facilita, porque qualquer lugar fica a, em média, 300 km de distância”, explica.
Durante o Mês Farroupilha, Joca chega a fazer até 25 shows. “É uma maratona. Muitas vezes viajamos 10 horas e ficamos no palco 2. A logística exige muito. Tem dias que acordo e não lembro em que cidade estou. Mas é o mês em que as pessoas vivem mais a cultura, estão mais emotivas e receptivas. Por isso, me empenho para que cada apresentação proporcione a melhor experiência possível.”
Sobre o futuro da música nativista, Joca é otimista. “Felizmente já tivemos umas duas levas de novos artistas diferenciados que vão dar sequência ao trabalho. São cantores de qualidade, com grande aceitação. Isso garante que o movimento não morra, mas se renove e acompanhe cada período.”
Foi trilhando as estradas do sul do Brasil, desde 1986, entre festivais e apresentações, que Joca conquistou, além do carinho do público, diversas premiações. Entre elas, destacam-se o Troféu Guri do Grupo RBS (2017), o Prêmio Vitor Mateus Teixeira "Teixeirinha" de Melhor Cantor (2005), o Prêmio Açorianos de Melhor Intérprete (2012), além de dois Discos de Ouro pelos álbuns Cavalo Crioulo e Clássicos da Terra Gaúcha. Já levou seu canto à Argentina, Uruguai e Paraguai, e em 2018 e 2024 se apresentou nos Estados Unidos, em Orlando, na Flórida, durante o encontro da Federação Americana de Tradicionalismo. No mesmo ano, recebeu em Pelotas o título de Cidadão Emérito.
Atualmente, Joca está na estrada com o show Clássicos do Nativismo, que estreou em julho de 2025 no Multipalco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre, e no Teatro Simões Lopes Neto, em Pelotas. O cantor foi citado pelo poeta e payador Jayme Caetano Braun como “um intérprete que possui o indispensável ao cantor crioulo: a autenticidade”. Entre seus grandes êxitos estão as composições Domingueiro, Se Houver Cavalo Crioulo, Barulho de Campo, Corcoveando e Recuerdos da 28, entre outras.
O agricultor e empresário Ivanio Piovesan Zanon, 45 anos, de Faxinal do Soturno, decidiu inovar neste ano. Ele substituiu parte da lavoura de trigo pela canola, cultura de inverno que vem ganhando espaço no Rio Grande do Sul.
A escolha foi motivada principalmente pela queda da rentabilidade do trigo. “Sempre cultivei trigo. Só que, em virtude da baixa rentabilidade, acabei optando por outra cultura de inverno. Foi aí que me veio a ideia de plantar canola”, explica Zanon.
Ivanio plantou 60 hectares e, apesar das dificuldades enfrentadas, com excesso de chuvas, principalmente durante o plantio e desenvolvimento inicial, ele estima uma produtividade entre 25 e 30 sacos por hectare. “A produtividade pode chegar a 45 ou 50 sacos por hectare em condições ideais. Mas, neste ano, acredito que a média fique em torno de 30 sacos. Mesmo assim, diante do clima, já considero um resultado interessante”, avalia.
Zanon explica que a canola é uma cultura que exige mais precisão em relação a equipamentos e insumos, especialmente na fase de plantio. “O plantio dela é bem complicado, diferente de trigo ou aveia. A população de sementes é muito baixa, entre 2,4 e 2,8 quilos por hectare. Por isso, o equipamento precisa estar muito bem regulado. Qualquer falha faz diferença”, detalha.
A colheita e o transporte também pedem atenção redobrada. “A semente da canola é muito fininha. Se tiver um pequeno furo na carroceria do caminhão, você pode descarregar o caminhão inteiro antes de chegar na cooperativa. Então, precisa de maquinário regulado e bem vedado, senão a perda é grande”, exemplifica.
No manejo, a cultura se mostra mais econômica do que o trigo, já que exige menos aplicações de defensivos. “Uma lavoura de trigo hoje precisa de no mínimo três ou quatro aplicações de fungicida. Já a canola, geralmente, uma só. Ela pede insumos específicos, mas a quantidade de pulverizações é bem menor. Não precisa estar entrando na lavoura a cada duas semanas como no trigo”, compara.
Para além da técnica, Zanon ressalta que a agricultura também depende de dedicação e esperança. “Na agricultura, como em tudo na vida, a gente precisa, primeiramente,gostar do que faz, fazer bem feito e ter fé. Fé de que a natureza vai responder, de que todo o esforço vai ser recompensado. Em primeiro lugar, é isso: capricho no que se faz, fé em Deus e no que plantou”.
Em termos de retorno financeiro, o agricultor prefere aguardar o resultado da safra para avaliar. “Não dá para saber ainda, porque é o meu primeiro ano nessa cultura. Mas, conversando com outros produtores da região Noroeste, que já produzem há bastante tempo, todos afirmam que sim, a canola é uma alternativa viável em comparação ao trigo”, afirma. Além de ser proporcionar uma beleza única, na sua fase de florescimento.
Zanon garante que pretende seguir apostando na canola nos próximos anos. “Não tenho como expandir porque já planto praticamente toda a área destinada para cultura de inverno. Mas pretendo continuar, sim. Este ano foi péssimo para implantação da lavoura e, mesmo assim, a canola se mostrou resistente e com bom desenvolvimento. Isso me dá confiança de que, em condições melhores, ela pode render muito mais”, projeta.
Ele ainda enfatiza o acompanhamento técnico da Camnpal, que presta todo apoio para o cultivo, bem como o recebimento dos grãos.
Sobre a canola
A canola é uma cultura de inverno cada vez mais presente no cenário agrícola brasileiro, especialmente no Rio Grande do Sul. Pertencente à família das brassicáceas, a planta é cultivada principalmente para a produção de óleo vegetal, considerado um dos mais saudáveis para consumo humano por conter baixo teor de gordura saturada e ser rico em ômega 3 e 6. Além disso, seus grãos também dão origem ao farelo de canola, utilizado como fonte de proteína na alimentação animal.
A ERS-348, que liga Dona Francisca a Agudo foi severamente danificada em função das enchentes de maio de 2024. Diversos trechos do asfalto foram levados com a força da água, além das cabeceiras das pontes secas.
A reportagem do Jornal Cidades do Vale foi apurar em que situação se encontra a obra de reconstrução da via 13 meses depois do fato. O Governo do Estado anunciou investimento de R$ 1,2 bilhão em obras de resiliência climática em estradas e pontes do Rio Grande do Sul afetadas pelas enchentes de 2024, entre elas a 348, mas até então, foram colocadas apenas placas de sinalização de obras, mas máquinas e canteiros de obra não existe no local. Para deslocamento, as pessoas usam o desvio de estrada de chão, como alternativa. Confira o que dizem as pessoas que são diretamente afetadas.
O que diz o Daer?
A reportagem do Jornal Cidades do Vale entrou em contato com o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer). Confira na íntegra as respostas recebidas na manhã de quinta-feira (12):
JCV - Qual a data de previsão das obras?
Daer - Início previsto para o 2º semestre de 2025.
JCV - Em relação ao projeto, quais as principais modificações comparado a via que foi levada com a enchente (Mais pontes?)?
Daer - A obra será por Regime de Contratação Integral (RCI), ou seja, a empresa será responsável pelo projeto e pela execução das obras. Neste momento está sendo desenvolvido o projeto, assim que for finalizado poderemos dar mais detalhes.
JCV - Haverá uma divisão nas empresas. Uma com pontes, outras com a via?
Daer - A contratação é de um consórcio de empresas. O Daer trata somente com a empresa líder.
JCV - Qual o prazo para finalização das obras?
Daer - A conclusão está prevista para 2026.
JCV - Qual o total da extensão da via que passará pela recuperação (Dona Francisca/Agudo especificamente)?
Daer - Todo o trecho.
JCV - Valor do investimento da obra?
Daer - O investimento previsto é de R$ 170 milhões.
JCV - Algo que seja necessário ser levado a conhecimento da população:
Daer - Neste momento, nada em específico.
O que diz o prefeito de Agudo, Luís Henrique Kittel?
O prefeito Luís Henrique Kittel salientou os prejuízos diretos que o município tem em função da destruição da via. “O município de Agudo foi diretamente afetado. Temos um comércio muito prestigiado pela região da Quarta Colônia, e agora o deslocamento via desvio acaba sendo um impeditivo para as pessoas virem, embora, atualmente ele esteja em total condições. Mas no começo, até pelo fato da estrada ter ficado abaixo da água, o reparo exigiu muito trabalho. Tivemos intervenção no Estado, no fechamento de um buraco maior que se formou. E esporadicamente a prefeitura de Dona Francisca também colaborou, mas o restante todo o trabalho foi feito via Agudo”.
Kittel destaca a importância da obra. “A obra de reparo é essencial, de importância regional. Não pode ser de interesse político nenhum e sim público. Até hoje, nunca fui procurado como prefeito pelo Estado, para conversar sobre a obra. O que teve sim, foi um convite em janeiro para assinatura dos lotes, e uma engenheira esteve aqui no gabinete, se apresentando como responsável pela obra. E me disse na oportunidade que buscava onde morar, e também acomodação para os funcionários da empresa, mas isso já tem mais de mês, e é isso que eu sei, sobre a reconstrução da ERS-348”, afirmou ele.
O que diz o Mauricio Barchet, presidente da Associação Comercial, Industrial de Agudo (Acisa)
O presidente da Acisa, Maurício Barchet, reforçou o que disse o prefeito Kittel, em relação ao comércio. “Fomos totalmente impactado, historicamente temos um comércio forte, que é referência na Quarta Colônia, e sem a ERS-348, o deslocamento fica mais difícil, as pessoas acabam não vindo, por medo de passar no desvio, embora a manutenção ocorre com frequência ali, mas tem gente que prefere não passar. Além disso, nós somos conhecidos por eventos, logo teremos a VolksFest, temos os jogos da AAGF, a gente sabia de pessoas que vinham dos municípios da região e hoje não vem mais. A obra é necessária, a gente aguarda, os comerciantes nos cobram, e adianto que não tendo movimentações mais concretas sobre o início dos trabalhos, também vamos nos organizar e nos mobilizar para chamar a atenção das autoridades”, disse ele.
Depoimento de quem usa o desvio:
Mônica Dall Asta - Diretora da Escola Luiz Germano em Agudo, moradora de Faxinal do Soturno, usa o desvio todos os dias
Mônica é faxinalense, e há sete anos trabalha em Agudo. Em entrevista a reportagem do Jornal Cidades do Vale, ela destacou as dificuldades no deslocamento sem a rodovia. “No começo, eu fazia a volta pelo Santuário, não dava para passar no desvio, depois conforme foram fazendo os reparos eu comecei a usar. Mas a gente percebe que temos mais gastos com manutenção do carro, por exemplo, além do tempo, tem que passar mais devagar. A gente que passa todos os dias constata que o movimento é grande, muitas pessoas precisam, então é uma obra urgente e muito necessária. Quando vi as placas de sinalizações, pensei agora vai, mas já faz mais de mês que foram colocadas e não vimos mais nenhum tipo de movimentação que remetesse a obras”, afirmou.
Natália Helena Sari - Servidora pública de Agudo
Natalia vive a mesma realidade de muitas pessoas, que usam o desvio todos os dias, pelo fato de morarem em um município e trabalharem em outro. Ela salienta, o que mudou na rotina depois que a via ficou totalmente danificada. “Fazia como a maioria no começo, vinha para Agudo via Santuário, RSC-287, mas depois com o desvio em melhores condições passei a vir por ali. Fazer a volta demanda de muito tempo, triplica a quilometragem, então é praticamente inviável para quem tem que fazer isso todos os dias. Precisei colocar uma proteção embaixo do meu carro, para evitar danos, e passo no desvio com muita cautela. A gente pode dizer que ele está em perfeitas condições, tem manutenção, mas tem que situações que fogem disso, os dias de chuva por exemplo, o terreno é baixo, tem lavouras dos dois lados, a água acumula e vai para a estrada, vira um caos em dias de chuva. Estou ansiosa pelo início das obras, que a gente sabe que precisará de muito trabalho, foram vários pontos afetados, entendo a morosidade do serviço público, mas penso, que é uma via importante na região, e precisa ser vista com mais atenção pelas aturidades”, disse ela.
Na busca por uma nova alternativa de renda e com o intuito de sair do comum, o avicultor Gustavo Santos Zanon, 43 anos, iniciou, em 2021, a criação de aves. Com sua propriedade localizada no Sítio dos Mellos, no interior de Faxinal do Soturno, Gustavo contou à reportagem do Jornal Cidades dos Vales que morava na cidade e que, com a pandemia, surgiu a ideia de se mudar. A partir daí, iniciou sua caminhada na criação de galinhas poedeiras soltas na Granja Dom Gentil.
Gustavo relatou que, durante a pandemia, a família sentiu a necessidade de ter mais espaço para a filha, Martina. “Meu sogro já morava aqui no sítio, e aí pensei junto com a minha esposa Bruna: estávamos trancados dentro de casa e queríamos que ela tivesse mais espaço. Foi então que decidimos construir aqui”, contou.
A criação de galinhas surgiu a partir de uma indignação de Gustavo. Segundo ele, ir aos mercados e não encontrar ovos da região gerava certo incômodo. “Nosso interior tem tanta coisa boa, e a gente consumindo ovos e outros produtos vindos de longe, muitas vezes com qualidade inferior ao que temos aqui. Foi aí que me despertou a vontade de começar a criação de galinhas para produção de ovos.”
Em 2021, ele deu início à produção. “Construímos o primeiro pavilhão, espaço onde elas ficariam. Meu sogro me ajudou muito. Comecei com 600 aves. Nunca tinha lidado com galinhas na minha vida, mas fui em busca de conhecimento. Tenho um Responsável Técnico que me ajuda bastante. E, claro, a internet também colabora. Assim, comecei, com coragem e muita vontade de fazer dar certo. Tinha gente que me chamava de louco no começo, perguntando onde eu ia vender tantos ovos.”
Gustavo conta que um projeto da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) foi fundamental para o desenvolvimento da granja. “A presença deles veio de encontro às necessidades tanto minhas quanto deles. Os acadêmicos tinham aqui a prática, vivenciavam a realidade, e eu fazia a inspeção e a rotulagem dos ovos para comercialização na universidade. Ou seja, o entreposto era lá. Foram dois anos com eles. Depois, em 2023, fiz o meu próprio entreposto aqui”, afirma.
Segundo o avicultor, a rotina de trabalho exige envolvimento diário. “Parece fácil, mas a gente precisa estar sempre atento. De manhã, faço a coleta dos ovos. Elas ficam presas nesse período. À tarde, ficam soltas, e é quando faço as entregas. Mas estamos sempre monitorando. No verão, exige muito também, por conta do calor. Coloquei ventiladores para elas.”
Atualmente, Gustavo mantém 980 aves, divididas em dois pavilhões, com uma produção de 75 dúzias de ovos por dia, que são entregues aos estabelecimentos comerciais em Faxinal do Soturno. “É um número que considero ideal para garantir o bem-estar delas. Me preocupo para que estejam confortáveis no espaço. Meu gasto gira em torno de quatro mil quilos de ração por mês.”
A intenção da família é ampliar a produção. “Estamos caminhando com muita cautela. A intenção é aumentar a criação e a produção, mas há algumas regras. O que temos hoje nos limita a mil aves. Acima disso, muda um pouco, surgem mais exigências. Então, vamos evoluindo com muito cuidado. Estamos atentos à questão financeira também, mas acredito que, com o tempo, teremos mais criação”, afirma.
Por fim, Gustavo faz questão de destacar a riqueza dos produtos que os agricultores produzem no interior. “Acho tudo isso muito valioso, com muita qualidade. Por isso, acredito que o interior precisa ser mais valorizado. Os produtores precisam de orientação. Às vezes, parece muito burocrático, mas, com apoio, é mais fácil. Produzimos tantas coisas boas, e não são esses produtos que a gente encontra nos mercados. Isso precisa mudar. A diferença, por exemplo, entre os ovos colhidos de manhã e entregues à tarde e aqueles que vêm de longe, passando horas na estrada, muda muito no momento do consumo”, destaca.
Gripe aviária
O primeiro foco de gripe aviária (H5N1) em uma granja comercial no Brasil foi confirmado em Montenegro (RS) no dia 16 de maio. Na propriedade, cerca de 15.650 galinhas morreram, e outras 1.358 foram sacrificadas para conter o surto. A área foi isolada em um raio de 10 km, com instalação de barreiras sanitárias e desinfecção da granja.
Gustavo conta que a situação preocupa, mas acredita que as autoridades sanitárias estão empenhadas no combate. “Penso que é algo que nos faz redobrar os cuidados. Eu já tinha muito isso aqui, evito que pessoas de fora entrem, já tomava alguns cuidados, mas agora isso aumenta ainda mais. Trabalho muito com a prevenção. Pelo que tenho lido, o Estado e o país estão preparados para enfrentar a gripe aviária. Se não fosse isso, acho que teríamos uma situação bem pior”, ressalta.
A história da Liga Feminina de Combate ao Câncer, em Faxinal do Soturno, assim como em outros municípios do Rio Grande do Sul, é marcada pelo trabalho voluntário de mulheres que se unem para auxiliar pacientes com câncer e seus familiares. A Liga Feminina de Combate ao Câncer de Porto Alegre, a entidade-mãe, foi fundada em 1954, com o objetivo de apoiar o Hospital de Oncologia Santa Rita e, posteriormente, expandiu para diversos municípios do estado, como Faxinal do Soturno, que completa, em 2025, os seus 35 anos de história.
Uma das fundadoras e presidente por 26 anos, Silésia Pinheiro Vendrusculo (Sica), lembra como tudo começou. “Eu perdi um sobrinho que eu amava para o câncer, ele tinha 28 anos, e isso mexeu muito comigo. E, então, eu estive me aconselhando com o padre Francisco Bianchini, em Santa Maria, e ele me disse que o meu sobrinho queria se comunicar comigo. Eu fiquei muito atenta a partir dessa fala. Então, saí para meu outro compromisso, estava chovendo, e um senhor caminhava na minha frente. De repente, caiu um papel das mãos dele, eu ajuntei e vi escrito ‘Liga Feminina de Combate ao Câncer’, mas, até então, tudo certo. Eu dava aula, fui para o trabalho. E foi daí que os meus pensamentos começaram a mudar. Ao invés de focar nele, comecei a pensar na Liga. Então falei para minha colega — fazíamos um grande trabalho juntas na escola — e ela disse: ‘Vamos nos informar o que é a Liga.’ Procuramos em Santa Maria, e nos informaram que Porto Alegre era o local certo. Fomos para lá, a presidente da época nos recebeu, e fomos aprovadas. Um mês depois, a Liga estava instalada em Faxinal do Soturno”, contou ela.
Em relação ao dia a dia, a Sica destaca o trabalho que foi e é feito depois da fundação da Liga. “Somos um grupo de amigas que são apoio uma para a outra. A sede da Liga fica aberta nas segundas e quintas, mas o trabalho é diário, intermitente. A gente está sempre fazendo algo. O paciente, que é nosso assistido, traz o diagnóstico médico e precisa ser uma pessoa em vulnerabilidade social. A partir daí, ele passa a ser nosso assistido em ranchos, remédios. Mas, é claro, que para fazer esse trabalho nós precisamos de dinheiro, e, para isso, temos a nossa equipe maravilhosa, que trabalha na lojinha e que se empenha para que a gente tenha meio para nunca dizer não para um assistido”, contou.
Sica ressaltou a importância da colaboração da comunidade. “Precisamos do apoio da nossa população. A gente não pode se queixar, muitos nos ajudam, mas a gente precisa de permanente ajuda e valorização.”
A atual presidente da Liga, Silvia Dal Forno Osmari, já está na entidade há praticamente 35 anos. “Eu não sou fundadora, mas entrei logo após, pelo incentivo da Sica. Fazer esse trabalho, que é tão maravilhoso. Sabemos que tem muitas pessoas que precisam desse apoio, e a gente espera que o trabalho siga firme no seu propósito.”
Silvia, depois de um tempo na Liga, foi diagnosticada com câncer de mama e, de acordo com ela, esse episódio fortaleceu ainda mais a importância da entidade para as pessoas. “Só quem passa sabe, mas estar na Liga foi muito bom para mim, estar com as pessoas, para enfrentar o câncer. Atualmente, a gente tem uma realidade diferente. O câncer passou de ser um atestado de óbito, como já foi no passado. A medicina tem evoluído, os acessos aos tratamentos também.”
A presidente explica que a Liga vai além de apoio financeiro. “Claro que ter o que comer, remédios, é primordial, mas, às vezes, eles vêm aqui por um abraço, um carinho. É uma fase difícil. Como disse, eu já passei por isso, então a Liga também cumpre esse papel sensível de acolher quem procura a entidade, além de dinheiro. Inclusive, a gente faz visitas nas casas de quem não pode vir. É um momento de conversa, de convívio, que também ajuda.”
Um dos diferenciais da Liga, em Faxinal, é a sua sede própria. “São 87 Ligas no estado, e poucas têm a sua sede própria, inclusive em cidades bem maiores que a nossa. Essa foi uma grande conquista, que reflete diretamente nos nossos atendimentos. É um lugar onde a gente consegue acolher melhor quem precisa.”
A atual secretária da Liga, Rosane Leite Zanini, está na entidade há 8 anos e conta como foi a sua inserção. “Depois da aposentadoria na escola, eu pensei que precisava fazer alguma coisa útil, e foi por meio da minha irmã, Cleusa Rossato, que já fazia parte, que me incentivou a entrar. Viemos conhecer a lojinha um dia. Eu vim e me apaixonei pela causa.”
Um período marcante para Rosane foi o trabalho realizado durante a pandemia. “Era um momento difícil. As nossas voluntárias mais velhas precisavam ficar em casa, então nós abraçamos a causa. Um grupo pequeno, mas mantivemos a sede da Liga aberta. Seguimos fazendo o trabalho como deveríamos.”
Rosane explica que a Liga atende todas as faixas etárias. “Dentro dos critérios, atendemos a todos: homens, mulheres, crianças.”
De acordo com Rosane, um dos públicos mais difíceis de atender são os casos em crianças. “São os casos que mais me chocam. A gente tem, inclusive, uma em tratamento, mas precisamos nos segurar e buscar amparar. Aprendemos, em uma palestra, em Porto Alegre, que não temos que dizer ‘Ah, isso vai passar’. Não. Precisamos saber o que ele veio buscar, porque tem estágios que não têm mais volta, então a gente precisa apoiar com um abraço, com uma oração.”
Por fim, ela fala da motivação de realizar o trabalho voluntário na Liga. “Se doar é muito bom. A gente recebe de volta de alguma forma. São oito horas por semana, isso não é nada em uma vida, numa semana, no mês. Então, quanto mais a gente puder fazer por essas pessoas, mais a gente vai receber. É grandioso participar de tudo isso.”
Almoço de comemoração dos 35 anos
A Liga Feminina realizará no dia 8 de junho, o almoço em comemoração aos 35 anos da entidade. O evento será no Salão Paroquial do município, com início ao meio-dia.
Os ingressos custam R$ 60 para adultos e R$ 30 para crianças de até 10 anos e é importante que sejam adquiridos antecipadamente. O cardápio inclui risoto, galeto, bife à milanesa, maionese, saladas e o tradicional bufê de sobremesas. Interessados podem adquirir os ingressos pelo telefone ou WhatsApp (55) 99976-2116, com Silvia.
O dia 18 de maio marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil. A campanha visa mobilizar, sensibilizar e informar a sociedade sobre a necessidade de proteger crianças e adolescentes contra qualquer forma de violência sexual, além de incentivar denúncias e fortalecer redes de proteção. A reportagem do Jornal Cidades do Vale procurou profissionais ligados diretamente com o assunto. Confira a entrevista na íntegra com o juiz da Comarca de Faxinal do Soturno, Rodrigo Antola Aita, com a psicóloga do Creas, Carine Michelon de Oliveira, e o assistente social, Rafael Almeida.
Juiz Rodrigo Aita destaca desafios e avanços no combate ao abuso sexual infantil
“Temos observado um crescimento no número de denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. No entanto, isso não significa, necessariamente, que os casos estejam aumentando. Muitas vezes, o que cresce é a conscientização da população sobre a importância de não silenciar diante da violência”
JCV - O número de denúncias vem aumentando ou diminuindo nos últimos anos?
Juiz Rodrigo: Temos observado um crescimento no número de denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. No entanto, isso não significa, necessariamente, que os casos estejam aumentando. Muitas vezes, o que cresce é a conscientização da população sobre a importância de não silenciar diante da violência. Campanhas como o Maio Laranja, programas escolares e o fortalecimento das redes de proteção têm contribuído para que mais vítimas, familiares e profissionais se sintam encorajados a denunciar. A Constituição Federal é clara ao afirmar que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual infantil” (art. 227, §4º), e é essencial que toda a sociedade se mobilize para dar efetividade a esse comando.
JCV - Quais são os maiores desafios que o sistema de Justiça enfrenta ao lidar com esses casos?
Juiz Rodrigo: Os desafios são muitos e exigem uma resposta articulada de diversas instituições. Em primeiro lugar, é necessário informar e educar a população sobre o problema, os sinais de alerta e os canais adequados de denúncia. Em segundo, é fundamental agir com rapidez para proteger a vítima, especialmente com a realização imediata do exame de corpo de delito e de outras providências que garantam a produção da prova. Em terceiro lugar, a escuta da criança ou adolescente precisa ocorrer de forma protegida e humanizada, por meio do depoimento especial — um procedimento previsto na Lei nº 13.431/2017, que evita a revitimização e busca preservar a integridade emocional da vítima. Por fim, o processo judicial precisa ser célere e eficiente, com uma resposta penal proporcional, de modo a evitar a impunidade e prevenir novos abusos.
JCV - O doutor acredita que as leis brasileiras são suficientes para proteger as crianças vítimas de abuso?
Juiz Rodrigo: Sim. A legislação brasileira é bastante avançada no enfrentamento à violência sexual infantil. Temos, por exemplo, a Lei nº 13.431/2017, que instituiu um sistema de garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, prevendo mecanismos como o depoimento especial. Há também leis específicas, como a chamada “Lei Henri Borel” (Lei nº 14.344/2022), além de alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal, que endureceram as penas e estabeleceram tramitação prioritária para esses casos. O desafio maior está em garantir a efetiva aplicação dessas normas: é preciso investir em capacitação, estrutura física, profissionais...
JCV - Em cidades pequenas, há dificuldades específicas para garantir o sigilo e a proteção das vítimas?
Juiz Rodrigo: Sim, há desafios particulares em municípios menores. A legislação determina o segredo de justiça em processos que envolvem crimes sexuais, especialmente quando as vítimas são crianças ou adolescentes. Contudo, em cidades pequenas, em que as relações são próximas e as pessoas compartilham os mesmos espaços, é mais difícil manter o sigilo informal. Muitas vezes, informações circulam entre vizinhos ou familiares, o que pode expor a vítima e comprometer seu bem-estar emocional. Por isso, é ainda mais importante que todos os profissionais envolvidos — autoridades, escolas, serviços de saúde, familiares — atuem com máxima responsabilidade e discrição, evitando qualquer tipo de exposição indevida.
JCV - Quanto tempo, em média, leva um processo judicial envolvendo abuso infantil até uma decisão final?
Juiz Rodrigo: É difícil estabelecer uma média de tempo, porque cada caso possui suas especificidades. Aspectos como a necessidade de perícias, avaliações psicológicas, número de testemunhas e complexidade dos fatos influenciam diretamente na duração do processo. No entanto, na Comarca de Faxinal do Soturno, temos trabalhado com absoluta prioridade nesses casos, conforme prevê a lei. Nossa meta é garantir a tramitação mais célere possível, sem prejuízo à qualidade da apuração. Vale destacar também que, em muitos casos, o relato da violência só vem à tona muitos anos depois do ocorrido, o que naturalmente impacta o tempo total entre o fato e a sentença. Ainda assim, é dever do sistema de Justiça manter o foco na proteção da vítima e na responsabilização dos agressores.
JCV - O silêncio e o medo ainda são barreiras para que os abusos sejam denunciados? Como lidar com isso?
Juiz Rodrigo: Infelizmente, sim. O medo do agressor, que muitas vezes é alguém próximo ou até mesmo integrante da família, é uma barreira significativa. Soma-se a isso o sentimento de culpa ou vergonha que, por vezes, é indevidamente imposto à vítima. A criança ou adolescente pode temer não ser acreditada, sofrer represálias ou desestabilizar o ambiente familiar. Por isso, é essencial que se crie uma cultura de acolhimento e escuta. Pais, responsáveis, professores e profissionais da saúde devem estar atentos a sinais sutis e oferecer um espaço seguro para que a criança fale. Não se deve jamais culpabilizar a vítima, mas sim garantir que ela se sinta protegida e amparada ao relatar o que vivenciou.
JCV - Como a população pode colaborar com a prevenção e combate ao abuso infantil?
Juiz Rodrigo: A principal forma de colaboração da população é o conhecimento. Informar-se sobre o tema, participar de campanhas de conscientização, como o Maio Laranja, e, sobretudo, manter um diálogo aberto e acolhedor com as crianças e adolescentes. É importante que eles saibam que podem contar o que sentem e o que vivenciam, sem medo de punições ou julgamentos. Outro ponto essencial é a vigilância responsável: ao notar comportamentos suspeitos ou mudanças bruscas no comportamento de uma criança, deve-se procurar ajuda e comunicar às autoridades. O Disque 100 é um canal gratuito, sigiloso e acessível para denúncias. Também é possível acionar a Polícia Civil, Brigada Militar ou o Conselho Tutelar.
JCV - Algo que queira acrescentar?
Juiz Rodrigo: Gostaria de enfatizar a importância da união de esforços. O combate à violência sexual contra crianças e adolescentes não é responsabilidade apenas da Justiça ou da polícia — é um dever de toda a sociedade. Campanhas como o Maio Laranja têm justamente esse objetivo: mobilizar a comunidade para proteger quem é mais vulnerável. É fundamental que órgãos públicos, escolas, entidades sociais e famílias atuem em conjunto. E, claro, que se tenha a sensibilidade de que, tão importante quanto responsabilizar um agressor, é evitar que se cometa uma injustiça com alguém inocente. Por isso, é essencial agir com responsabilidade, denunciar às autoridades competentes e confiar nos instrumentos legais de investigação e julgamento.
Psicóloga Carine M. de Oliveira explica sinais, impactos e desafios no atendimento a crianças vítimas de abuso
“Reconhecer os sinais de abuso em uma criança exige muita atenção e cuidado, porque esses sinais nem sempre são claros. No entanto, alguns desses sinais emocionais podem ser de a criança ficar muito ansiosa, com medo exagerado, especialmente de adultos ou de certas situações, além de momentos de tristeza com maior frequência ou ter dificuldade de dizer o que está sentindo”.
JCV - Quais são os principais sinais emocionais e comportamentais que podem indicar que uma criança está sendo vítima de abuso?
Carine: Essa é uma pergunta muito importante. Reconhecer os sinais de abuso em uma criança exige muita atenção e cuidado, porque esses sinais nem sempre são claros. No entanto, alguns desses sinais emocionais podem ser de a criança ficar muito ansiosa, com medo exagerado, especialmente de adultos ou de certas situações, além de momentos de tristeza com maior frequência ou ter dificuldade de dizer o que está sentindo. Como ela não consegue expressar isso com palavras, às vezes acaba ficando mais agressiva, mudando de humor de forma repentina ou se isolando. Nos sintomas comportamentais, o corpo da criança também pode mostrar que algo não vai bem. Muitas vezes, ela demonstra o que está vivendo através de desenhos, brincadeiras com conteúdo sexual que não combinam com a sua idade. Também é comum ter dificuldades para dormir, voltar a fazer xixi na cama (mesmo já tendo passado dessa fase) ou apresentar machucados sem explicação, dores frequentes ou infecções, especialmente nas partes íntimas. Outro sinal importante é quando a criança começa a usar palavras com conteúdo sexual ou perde o interesse pelos estudos de forma repentina. É essencial que os adultos que convivem com essa criança, sejam pais, professores ou cuidadores, fiquem atentos a essas mudanças. Ninguém conhece melhor uma criança do que quem está com ela no dia a dia. Se surgir qualquer suspeita, o mais importante é ouvir com carinho, sem julgar, e buscar ajuda profissional o quanto antes. O cuidado e a proteção da criança devem estar sempre em primeiro lugar.
JCV - Como o abuso infantil impacta o desenvolvimento psicológico da criança a curto e longo prazo?
Carine: O impacto do abuso sexual infantil no desenvolvimento psicológico da criança pode ser diverso e poderá também durar a vida toda, se não houver ajuda adequada. Os sintomas emocionais e físicos afetam a forma como a criança se relaciona com o mundo, a construção da sua identidade e seus vínculos afetivos. Isso também pode interferir no desempenho escolar e na autoestima dela. Em casos mais graves, a criança pode até ter pensamentos suicidas ou recorrer à automutilação. A intervenção o quanto antes é essencial para minimizar esses danos.
JCV - Como abordar esse tema com a criança de maneira sensível?
Carine: Sem dúvida, é um grande desafio, mas é extremamente necessário. O mais importante é tratar o tema de forma leve, usando uma linguagem que a criança consiga entender. Um ponto fundamental é ensiná-la que o corpo dela é só dela e que existem partes do corpo que ninguém pode tocar, exceto em algumas situações específicas, como em consultas médicas ou banhos, mas sempre com a presença de um responsável e sem causar desconforto. Usar materiais lúdicos, como desenhos ou bonecos, é muito eficaz, pois ajuda a criança a entender de maneira mais acessível o que está sendo explicado. Também é importante ensinar os nomes corretos das partes do corpo, de acordo com o vocabulário dela, para que ela saiba se expressar caso precise contar algo. A palavra "desconforto" é fundamental para que a criança saiba o que fazer, caso sinta algo de errado, e possa comunicar isso aos responsáveis, sem medo ou culpa. Esse tipo de conversa não deve acontecer apenas uma vez ao ano, como em campanhas como a do Maio Laranja, mas deve ser contínua, de forma que a criança sempre se sinta confortável para falar sobre qualquer situação que a incomode.
JCV - Quais são os desafios mais comuns enfrentados pelos psicólogos ao trabalhar com crianças vítimas de abuso?
Carine: Um dos maiores desafios é ganhar a confiança da criança, pois ela teve sua confiança quebrada por alguém que deveria tê-la protegido. Muitas vezes, a criança chega muito assustada, sem conseguir se expressar em palavras, cheia de medo e desconfiança. Outro ponto difícil é lidar com o ambiente familiar. Em alguns casos, a própria família não acredita na criança, seja por medo, vergonha ou negação, principalmente quando o agressor é alguém muito próximo, que deveria ser um protetor. Mesmo com esses desafios, é fundamental mostrar para a criança que ela não está sozinha, que a dor dela é importante. É um processo que exige muita paciência e empatia.
Assistente Social Rafael Almeida fala sobre proteção infantil
A prevenção passa pelo fortalecimento das famílias. A gente atua orientando, escutando, apoiando em momentos de crise e, principalmente, garantindo acesso a direitos. Famílias em situação de pobreza extrema, violência doméstica ou uso abusivo de substâncias, por exemplo, precisam de apoio, não de julgamento”.
JCV - Qual é o papel do assistente social na identificação e encaminhamento de casos de abuso infantil?
Rafael: O assistente social atua como um elo entre a criança, a família e os serviços de proteção. Nosso papel é acolher com respeito, ouvir com sensibilidade e encaminhar o caso para os órgãos competentes, como o Conselho Tutelar e serviços especializados. Mas, mais do que isso, buscamos garantir que essa criança seja protegida e que seus direitos sejam respeitados em todas as etapas do processo.
JCV - Como funciona a rede de proteção à criança e ao adolescente em situações de violência?
Rafael: A rede de proteção é um conjunto de instituições, como escolas, unidades de saúde, CRAS, CREAS, Conselho Tutelar e Ministério Público, que trabalham juntas para garantir a segurança e o bem-estar da criança. Cada setor tem sua responsabilidade, e o mais importante é que haja comunicação entre todos. Quando um caso é identificado, ele deve ser acolhido e acompanhado por essa rede, que atua de forma articulada, colocando sempre a criança no centro das intervenções.
JCV - Como o assistente social pode atuar junto às famílias para prevenir situações de vulnerabilidade que podem levar ao abuso?
Rafael: A prevenção passa pelo fortalecimento das famílias. A gente atua orientando, escutando, apoiando em momentos de crise e, principalmente, garantindo acesso a direitos. Famílias em situação de pobreza extrema, violência doméstica ou uso abusivo de substâncias, por exemplo, precisam de apoio, não de julgamento. Trabalhamos para criar laços de confiança, estimular vínculos afetivos saudáveis e evitar que situações de risco se agravem. O cuidado com as famílias é o primeiro passo para cuidar das crianças.
JCV - Quais políticas públicas são essenciais para o enfrentamento efetivo do abuso infantil?
Rafael: Políticas que garantam proteção, cuidado e dignidade. O SUAS (Sistema Único de Assistência Social), o SUS (Sistema Único de Saúde), educação, através de escola pública de qualidade, os Conselhos Tutelares e os programas de transferência de renda são fundamentais. Além disso, precisamos de campanhas permanentes de conscientização e de investimentos em formação de profissionais. Combater o abuso não é responsabilidade de um setor só, é um compromisso coletivo, que depende de ação integrada.
JCV - De que forma o trabalho conjunto entre saúde, educação e assistência social fortalece a proteção da criança?
Rafael: Quando esses três setores se unem, a criança é vista por completo. A saúde cuida do corpo e da mente, a educação observa o comportamento e o aprendizado, e a assistência social atua nas relações familiares e comunitárias. Um professor atento, um agente de saúde sensível e um assistente social presente podem mudar a trajetória de uma criança. O trabalho intersetorial garante que nenhum sinal passe despercebido e que as intervenções sejam mais eficazes e humanizadas.
A prática regular de exercícios físicos é uma das principais aliadas para um envelhecimento saudável. Na terceira idade, manter o corpo em movimento traz benefícios que vão muito além da estética ou do condicionamento físico: significa preservar a autonomia, prevenir doenças, primar pela convivência social, garantia da auto-estima e uma melhor qualidade de vida.
Segundo especialistas, atividades como caminhadas, alongamentos, musculação, hidroginástica ou dança são indicadas para pessoas idosas e podem ser adaptadas conforme as condições de cada um. Além de melhorar a força muscular e o equilíbrio, o que reduz consideravelmente o risco de quedas, os exercícios também ajudam no controle de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e osteoporose, alzheimer, depressão, doenças auto-imune
A academia Cia do Movimento, de Faxinal do Soturno, atua há 25 anos na cidade. Segundo o proprietário e professor de educação física, Jorge Pellenz, nos últimos tempos tem sido registrado um aumento considerável da presença de idosos na academia, fortalecendo na hidroginástica e descobrindo a musculação.
A academia também conta com um espaço para hidroginástica, atividade bastante procurada. “Recebemos grupos de Nova Palma, Dona Francisca, Ivorá e Faxinal do Soturno. Todos os dias temos atividades na piscina. Um dos principais atrativos da prática na água é a redução do impacto nas articulações. Como o corpo fica mais leve dentro da piscina, os movimentos são realizados com mais facilidade e menos dor, o que é ideal para quem convive com artrite, artrose ou problemas de mobilidade. Além de proporcionar momentos de lazer e socialização, essas atividades aquáticas oferecem uma série de benefícios à saúde física e mental dos idosos”, explica Jorge.
A coordenadora do grupo da terceira idade de Nova Palma, Miriam Stephanie, comenta que a hidroginástica tem transformado a vida dos participantes. “Em Nova Palma, tem fila de pessoas querendo vir, mas a gente organiza conforme a recomendação médica. Aqui é muito bom, eu fico feliz de fazer e de ouvir minhas colegas dizendo que a aula foi boa, que a saúde melhorou muito desde que começaram. Os nossos professores também são bem animados, o tempo voa quando estamos aqui. É muito bom”, conta.
Miriam também destaca a importância da convivência promovida pelas aulas. “Além dos benefícios dos exercícios, essa troca, esse convívio traz inúmeros ganhos. A gente ri, se uma chega no ônibus mais tristinha, a gente já anima. Nos divertimos muito, conversamos. Somos uma família, na verdade. Cada dia que venho para cá é um dia feliz.”
Por fim, Jorge ressalta que, além dos grupos organizados, a academia possui horários disponíveis para demais interessados. “A academia está aberta. Buscamos organizar um treino de acordo com as limitações de cada pessoa, sempre seguindo as recomendações médicas. E ressalto: o exercício é muito importante para uma velhice saudável”, conclui.