Vicente de Mello, 83 anos, morador de Faxinal do Soturno, que desde menino sonhava em voar e, com esforço e persistência, transformou o sonho de infância em realidade, cruzando os céus da região e de fora dela
O Dia do Aviador, celebrado em 23 de outubro, homenageia os profissionais que dedicam suas vidas à aviação e simboliza o espírito de coragem, inovação e liberdade que impulsiona o homem a conquistar os céus. A data marca o feito histórico de Alberto Santos Dumont, que, em 1906, realizou o primeiro voo homologado de uma aeronave mais pesada que o ar, o 14-Bis, em Paris. Além de recordar essa conquista pioneira, o dia também reconhece a importância da aviação civil e militar para o desenvolvimento, a integração e a defesa do país.
Para marcar a data, a reportagem do Jornal Cidades do Vale foi conhecer a história de Vicente de Mello, 83 anos, morador de Faxinal do Soturno, que desde menino sonhava em voar e, com esforço e persistência, transformou o sonho de infância em realidade, cruzando os céus da região e de fora dela.
Vicente conta que desde cedo precisou trabalhar na roça, mas a aviação sempre teve um espaço nos seus planos de vida. “Eu pensava muito, e quando fui crescendo, percebi também que era algo caro, não era tão acessível assim, mas eu não desisti. A vida me trouxe muitas experiências e desafios, desde novo, saí de casa, e fui construindo a minha trajetória”, contou ele.
Vicente viajou o país dentro da cabine de um caminhão, e foi desse trabalho que conseguiu realizar o sonho da infância. “Em 1969 eu iniciei um curso teórico para ser piloto, mas era muito difícil, muita matemática, física, e conhecimento gerais, tudo era muito exato, na aviação não existe ‘e se’, é, ou não é, tem que ser ou não, acabei parando. Mais tarde retomei, era em Santa Maria, o Aero Clube da Base Aérea as aulas, e de 20 alunos, três passaram para a fase prática, e entre eles estava eu, o primeiro classificado, mais uma mulher, e mais um homem, foi desafiador, mas a minha experiência de vida, de conhecimento, me ajudou muito.”
Após a teoria, Vicente passou por diversos exames, um deles psicotécnico, que ele considera importantíssimo para quem vai pilotar. “É neste exame que muito se define, e que vai fazer sentido lá na frente, quando a gente passar por situações. É avaliado as nossas reações em caso de perigo, medo, e eu consegui passar”, contou. Já no aeroclube, o qual frequentava nos finais de semana, quando conciliava com o trabalho no caminhão, Vicente conta que não perdia oportunidades. “Eu me dedicava bastante, sempre que tinha voo, eu ia. Eu sempre achei muito fácil pilotar, ainda acho que tem coisas que fiz e faço que são muito mais difíceis”. Vicente recebeu sua Carteira Oficial do Ministério da Aeronáutica, como aeronauta e piloto, com 36 horas de vôo. E com 200 horas praticadas, Vicente foi chamado pelo Comandante da Fab da Base Aérea para entrega de outra carteira como piloto da reserva.
Entre os fatos curiosos da época, ele lembra que médicos receitavam voos para o tratamento da asma. “Muitos voos eu fiz com crianças que eram encaminhadas pelos médicos para o aeroclube. De acordo com eles, era necessário fazer voos de uma hora, a quatro mil e quinhentos metros de altura. Isso foi algo que me marcou e lembro até hoje.”
Ao longo do tempo, Vicente fez diversos voos. Os principais destinos das viagens eram Porto Alegre, Torres, Capão da Canoa e Lages, em Santa Catarina, onde, conforme ele, eram feitos os consertos dos aviões, pois lá havia uma oficina especializada e de referência.
Na memória, além dos grandes feitos, Vicente guarda também momentos de apreensão. Foram dois acidentes que ele detalhou à reportagem. O primeiro aconteceu voltando de São Sepé. “Estourou o motor, e eu precisei usar os ensinamentos que tive durante o curso, o primeiro deles, agilidade e reflexos rápidos, o que eu particularmente acho que são qualidades que o ser humano tem e não sabe. Com muita cautela, recebi as instruções da torre de controle e consegui fazer o pouso. Lembro que tinha outro avião também pousando e consegui parar o avião praticamente embaixo da asa dele, e evitei algo pior. Foi um susto, mas que me fez perceber que o meu equilíbrio emocional estava em dia, se eu me desesperasse poderia ter sido pior e quem sabe não estaria aqui para contar essa história”, disse ele.
O segundo acidente ocorreu na Quarta Colônia. Vicente conta que recebeu o pedido da Paróquia São Roque, pois, estavam em preparativos da Festa do Padroeiro do Município de Faxinal do Soturno, para espalhar os panfletos de propaganda da festa do padroeiro, o qual, foi ofertado o voo como patrocínio, ao sobrevoar a região, na localidade de Sítio dos Mellos, percebi que o avião estava perdendo a força no motor. "Estava presente no voo eu como piloto, e o amigo Amir Trevisan, Cacique, (Em memorium), ele me acompanhava para fins de soltar os panfletos da festa, e tirar fotos das paisagens. E estava tudo certo, até que percebi uma diminuição na rotação, tentei acelerar, e o avião não respondeu, vou precisar pousar rapidamente, em segundos, mapeei a região em que estávamos, e tive rápida decisão de aterrissar o avião com segurança na estrada de acesso a cidade de Ivorá, o qual, não tivemos ferimentos algum, ficamos rindo do acontecido, ainda comentamos, estamos firmes, salvos e fortes, não foi desta vez que partimos desta, Lembro que um dentista que atuava na região chegou e perguntou se já tinham levado os feridos, e eu disse 'não, somos nós dois, estamos inteiros'. O acidente ocorreu em 12 de agosto de 1977 e Vicente conta que não cobrou nada da comunidade para largar os panfletos nas cidades.
Mesmo com os sustos, Vicente seguiu fazendo voos. Em 1984, ele encerrou a vida de piloto e fez o último voo para Pelotas. “Foi um período muito feliz, eu sempre quis, e vivi isso. Aprendi muito, conheci pessoas, foi uma época que eu recordo com muito carinho. Não sinto saudades, porque acho que foi o tempo que tinha que ser.”
Adepto da leitura, Vicente se mantém ativo. “Conheço lugares que nunca fui, mas que a leitura me permitiu. Sempre gostei de me informar, de atualizar, saber coisas diferentes. E assim fui norteando a minha trajetória. Tive dificuldades, desafios, mas eu olho para trás e vejo o quanto valeu a pena. Sou muito discreto, busco seguir o meu caminho. Sempre desejando o bem para todos”, finalizou.