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Egressa da UFSM cria coleção de joias inspiradas em igrejas da Quarta Colônia

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Região 24/06/2024
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Joias costumam ser sinônimo de beleza e preciosidade, mas se tornam ainda mais valiosas quando carregam um significado. Foi isso que a designer de joias Ana Luiza Seeger Guerra buscou trazer em sua coleção inspirada na Quarta Colônia de Imigração Italiana e suas igrejas: criar peças significativas, que remetam ao povo responsável por colonizar a região a partir do século 19. Através de características iconográficas presentes na arquitetura religiosa de nove igrejas locais, Ana representa a fé católica, um elemento intrínseco à cultura italiana, que perpassa gerações.

O projeto faz parte de uma dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural da UFSM, orientada pelo professor Flavi Ferreira Lisboa Filho. Para o trabalho, foram selecionadas as igrejas matrizes de Ivorá, Dona Francisca, Pinhal Grande, Silveira Martins, Faxinal do Soturno, Nova Palma, São João do Polêsine, Vale Vêneto e Arroio Grande (distrito de Santa Maria). O colar inspirado na Igreja Matriz de Vale Vêneto, distrito de São João do Polêsine, é a única joia produzida até o momento.

 

Nova Palma – A Igreja Matriz de Nova Palma, dedicada à Santíssima Trindade, foi transformada em um anel. Inicialmente, Ana havia optado por representar as formas, bastante características da fachada e do interior da igreja, em brincos (que chegaram a ser desenhados e estão disponíveis no apêndice do trabalho), porém, conforme a união dos elementos em desenho foi tomando forma, ela percebeu que funcionariam mais harmonicamente como um anel.

A peça faz referência ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, que formam a Trindade, a qual a matriz homenageia. Na joia, Pai e Filho são representados pelas pedras “água-marinha”, dispostas nas laterais, em tom de azul. A escolha das gemas azuladas fazem referência à pintura do teto do templo, em que as duas figuras aparecem em vestimentas azuis. Já o Espírito Santo, que ocupa a posição central, é representado pela pedra citrino. Naturalmente amarelada, a tonalidade da pedra faz referência à pomba presente na pintura, o principal símbolo do Espírito Santo.

 

Silveira Martins – Já a Matriz de Silveira Martins, dedicada a Santo Antônio de Pádua, considerado um “santo casamenteiro”, foi convertida em um colar. A característica mais marcante da fachada, escolhida como principal elemento de representação da igreja, é a torre cilíndrica de estilo bizantino. Para evidenciar a forma, Ana escolheu um pingente estilo berloque, que une duas partes iguais soldadas, e permite o movimento giratório.

Outra marca replicada em várias partes do templo são os detalhes florais, com destaque para a flor de açucena, ou lírio, segurada pela estátua de Santo Antônio na fachada da matriz, assim como nas portas, no chão e nos retábulos laterais. A flor é representada no pingente em relevo, disposto acima de um cravejado de pedras, que acompanha toda a circunferência do berloque. Na ideia inicial, as pedras de esmeraldas seriam utilizadas como representação dos ramos das açucenas e diamantes seriam usados para representar o branco das pétalas. Porém, na versão final, apenas as esmeraldas permaneceram para simbolizar a planta.

 

Vale Vêneto – Outro destaque é a Matriz de Vale Vêneto, dedicada a Corpus Christi, que foi representada por um colar. A fachada do templo possui formas geométricas acentuadas. O teto de madeira também apresenta formas em relevo, que contornam a imagem da Eucaristia e de um cálice ao centro. A Eucaristia – que remete ao sacrifício do corpo e sangue de Jesus, representados na repartição do pão e do vinho na Última Ceia – é replicada em diversas partes da igreja, como nos vitrais, no altar e no sacrário.

Além disso, o retábulo central abriga uma imagem do Sagrado Coração de Jesus em seu nicho principal, que remete ao significado da igreja. Nela, Cristo aparece em vestes vermelhas, uma auréola sobre a cabeça e uma das mãos indicando o coração. Dessa forma, a junção dessas referências deu origem a um pingente triangular, revestido por traços que fazem alusão à Eucaristia e dão a ideia da auréola sobre a cabeça de Cristo. O rubi vermelho em formato cabochão, centralizado na joia, remete ao sangue de Cristo, também como parte da Eucaristia.

Apesar da liberdade de usar a criatividade nos desenhos, Ana não quis se distanciar muito da literalidade na representação dos elementos observados nas igrejas. Segundo ela, como uma boa designer, seu processo criativo sempre é guiado por referências. A partir delas, começa a desenvolver desenhos esquemáticos, que ajudam a pensar nas formas e a entender como vai transformá-las em joias. O papel-manteiga é um aliado importante nesse processo para facilitar o refinamento, pois, à medida que os desenhos vão sendo replicados, vão tomando uma forma mais consistente.

Depois de rascunhados no papel, eles são projetados no software Rhinoceros 3D, um programa de modelagem tridimensional, que permite uma prototipagem do produto nas dimensões reais. Mesmo não sendo exclusivo para o design de joias, Ana opta por usá-lo, pois ele oferece uma projeção precisa das escalas milimétricas utilizadas nas joias, diferentemente de outros softwares próprios para isso. É nessa ferramenta que o design é finalizado, já com a simulação dos materiais que serão usados para a confecção, como as pedras – ou gemas, como são chamadas na joalheria – e a disposição e encaixe desses materiais na peça.

 

Seleção das igrejas

Para o trabalho, foram selecionadas nove igrejas sob um mesmo critério: terem sido fundadas por imigrantes italianos. Por isso, a matriz de Arroio Grande, um distrito de Santa Maria, também foi incluída, apesar de não fazer geograficamente parte da Quarta Colônia. Já outras cidades que foram agregadas posteriormente à região, como Restinga Seca e Agudo, não foram integradas no projeto por terem colonização alemã ou por suas paróquias não terem sido idealizadas por italianos. Essa seleção foi importante para manter a essência do projeto de trazer à tona a identidade do povo italiano através de suas construções religiosas.

 

Contextos históricos

O desvendar das escolhas de formas, relevos, cores e acabamentos contam tanto a história da igreja e do que ela representa, quanto de quem se dedicou a construí-la. Foi com o olhar atento aos detalhes também do contexto a qual cada igreja pertence que Ana descobriu, em uma plaquinha discreta na frente da Matriz de Vale Vêneto, uma trágica história que faz parte da constituição do local. Um dos homens que trabalhavam construindo o telhado, nativo dali, caiu e faleceu durante a obra. A homenagem conta um fragmento triste da história de apenas uma das pessoas que, com suas próprias mãos, ajudou a construir não só uma estrutura paroquial, mas também uma parte histórica da região.



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