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Dia das Mães e o luto: Quando a ordem se inverte

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Restinga Seca 12/05/2025
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Para algumas mães, o Dia das Mães não é feito de flores, mas de silêncio. É o dia em que o amor permanece, mas o colo fica vazio. Quando a ordem natural da vida se inverte e o filho parte antes da mãe, o mundo parece perder o compasso. Ainda assim, essas mães seguem sendo mães com um amor que não tem fim, mesmo que a presença física tenha cessado.

É isso que tem vivido a mãe, Morgana Curcino. A sua filha Ashley faleceu no dia 29/02/2024 aos 22 anos de idade, menos de um mês depois de passar por transplante de medula óssea, do qual Morgana foi doadora. Ela vinha lutando contra infecções desde fevereiro de 2022, mas somente em novembro de 2023 recebeu o diagnóstico de uma doença genética rara. Menos de quatro meses após o diagnóstico ela faleceu.

A reportagem do Jornal Cidades do Vale entrevistou Morgana. Confira na íntegra o sentimento, e como tem sido esses momentos difíceis na vida dela: 

JCV - Quais são as lembranças mais bonitas que você guarda dela? 

Morgana: Guardo a lembrança de uma filha muito amorosa, carinhosa, muito presente. Ela era muito ligada a nós. Não saía sozinha, sempre conosco. Uma menina simples, muito forte, resiliente, de muita luz, com muita força, fé e serenidade. Muito dedicada aos estudos, muito educada e dócil com todos que convivia. 

JCV - Como você tem se sentido ultimamente?

Morgana: Perder um filho é a maior dor do mundo! Mas eu não perdi minha filha, eu a ganhei por 22 anos! Por 22 anos Deus me emprestou uma filha maravilhosa! Sinto muita saudade dela todos os dias, a cada segundo do meu dia. Estou em busca do meu autoconhecimento, porque depois que uma mãe devolve um filho para Deus, ela não se reconhece mais, ela precisa se reencontrar com ela mesma. Estou vivendo um dia de cada vez. Alguns dias com muita paz, outros dias com muita dor.

JCV - O que tem te ajudado a seguir em frente nos dias mais difíceis? 

Morgana: Deus, a espiritualidade, meus outros dois filhos e ela, minha doce filha. Dois meses após a partida dela eu comecei a trabalhar e isso também tem me ajudado muito a me manter em pé. Também faço terapia.

JCV - Tem algo que você gostaria que as pessoas entendessem melhor sobre a sua dor? 

Morgana: Sim. Quem perde os pais é órfão. Quem perde o companheiro (a) é viúva (o). Mas quem perde um filho, é o que? Não existe nome, é uma dor sem nome. Gostaria que a sociedade compreendesse que não existe superação para a morte de um filho. Existe um recomeço, mas superação, não. Não tem como superar a partida de um filho. Você supera uma separação, a perda de um emprego, de algo material. Mas a morte de um filho não. Gostaria muito que as pessoas aprendessem a respeitar a dor de uma mãe e de um pai e que não os julgassem.

JCV - Como você gostaria que sua filha seja lembrada?

Morgana: Quero que ela seja lembrada como uma menina resiliente, forte, determinada, dócil, educada. Minha filha enfrentou a doença dela de cabeça erguida, estudou doente, fez o Enem durante o tratamento, debilitada. No último Enem dela, faltou apenas 50 pontos para a aprovação em Medicina que ela tanto sonhava. Que os jovens possam se espelhar na força e determinação que ela tinha, que mesmo em meio a tantas dificuldades nunca deixou de lutar e de acreditar na cura dela.

JCV -O que mudou na sua forma de ver a vida depois da partida da sua filha? 

Morgana: Aprendi que estamos aqui só de passagem e que nada aqui é nosso, tudo nos é emprestado. Bens materiais não possuem valor algum, são só coisas que nos são emprestadas para usufruirmos enquanto estivermos aqui. Aprendi que devemos auxiliar quem precisa e que sempre terá alguém do nosso lado precisando de ajuda, seja de um abraço, seja de uma peça de roupa ou de um alimento. Hoje tenho consciência de que a minha vida não será mais a mesma e de que meu sorriso não terá mais a mesma alegria, porque falta um pedaço meu aqui. Depois de um acontecimento desses não tem mais como ser 100% feliz, mas 60% eu acredito que dê e eu vou em busca disso. Hoje estou me permitindo viver intensamente o meu luto, acredito que não podemos pular isso.

JCV - Quais foram os momentos mais difíceis desse processo de luto? 

Morgana: O dia da despedida e o dia a dia. A ausência física dela no dia a dia dói demais. O acordar pela manhã é muito difícil, sair da cama e enfrentar o dia sem ela. Chegar em casa à tardinha e não a encontrar é sempre muito difícil. As datas comemorativas também são parte muito difícil neste processo.

JCV - Você encontrou apoio em alguma rede, grupo ou espiritualidade? 

Morgana: Sim. Assim que tudo aconteceu, busquei ajuda psicológica e faço acompanhamento até hoje. Também comecei a participar de grupos de mães enlutadas, onde todas compartilham suas histórias e experiências. Comecei a ler muitos livros de autoajuda e livros espíritas. Passei a frequentar as missas. Busco inspiração em outras mães que já passaram por isso. Converso muito com outras mães enlutadas. Me inspiro muito na Cissa Guimarães e na Ana Carolina Oliveira (mãe da Isabela Nardoni).

JCV - Como tem sido manter viva a memória dela no dia a dia? 

Morgana: Eu faço questão. Sempre gostei muito de fotografia, sempre tive fotos dos meus filhos pela casa, sempre gostei de registrar todos os momentos deles e depois que tudo aconteceu espalhei mais fotos pela casa. Também sempre gostei muito de postar nas redes sociais e de escrever e isso se intensificou com a partida dela. Através das redes sociais consigo expressar a minha dor e manter a memória dela viva. Penso em quem sabe um dia, escrever um livro sobre ela e que possa servir para acalentar os corações de outras mães.

JCV - Como é para você seguir sendo mãe todos os dias, dividindo o luto com o amor e os cuidados pelos outros filhos? 

Morgana: É difícil explicar... Ser mãe todos os dias depois da perda é como aprender a viver com uma parte de mim faltando, é um exercício constante de amor e força. É um grande desafio, um desafio diário, porque a gente fica tão focada na nossa dor, naquela ausência do filho que partiu, que corremos o risco de acabar deixando os outros filhos de lado. Eu sempre dividi essa preocupação com a minha psicóloga, esse medo de acabar negligenciando o meu papel de mãe com os meus outros filhos. O luto está sempre ali, às vezes ele me engole, outras vezes ele só me acompanha. Ao mesmo tempo, meus filhos que estão aqui me puxam para a vida, eles são luz e motivo para continuar. Eles precisam de mim, e eu preciso deles. Cuidar deles, vê-los crescer, rir e sonhar, me lembra que o amor é maior que a dor. O amor que sinto por eles me dá forças, mesmo nos dias em que tudo parece pesado demais. Eu aprendi que posso sentir saudade e amor ao mesmo tempo. Posso chorar por quem se foi e sorrir por quem está aqui. E é assim que eu sigo: um dia de cada vez, tentando ser a melhor mãe que consigo ser, mesmo com o coração em pedaços. É difícil, mas também é uma forma de honrar quem partiu e valorizar intensamente quem está comigo.

JCV - Algo que tu queira acrescentar:

Morgana: A vida aqui é uma passagem, é muito rápida e nos pega de surpresa muitas vezes. A gente nunca pensa que as coisas vão acontecer com a gente. Eu nunca imaginei que um dia Deus me pediria um dos meus filhos de volta. Se você tem algo para resolver com alguém, resolva enquanto ainda há tempo, peça desculpas, abrace, diga que ama. Minha filha sabia o quanto eu a amava. Ela foi embora sabendo disso, sabendo que eu sempre fiz tudo e faria muito mais. Vivemos sempre numa correria, como se não fossemos morrer um dia e esquecemos do quão preciosa a vida é. A minha filha queria muito viver, lutou muito até o último segundo. Tinha sonhos e planos para ela e para nós. Eu aprendi muito com ela e tenho certeza do nosso reencontro. Enquanto esse dia não chega, eu vou seguir minha caminhada honrando a memória dela.



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